segunda-feira, janeiro 5

Por momentos conseguiu esquecer tudo o resto



Entrou sem pressas e olhando quem estava dirigiu-se ao balcão tal como sempre fazia em dia de jogo. Gostava de ver os jogos naquela esplanada. Era calma e bastante agradável, além de que podia estar perto dele.

No balcão estavam duas pessoas em amena cavaqueira, o que o estava a distrair da sua presença. Ele ainda não se tinha apercebido da sua chegada, até que com um desvio de olhar a viu e o seu sorriso brotou de imediato. Fez-lhe sinal para esperar um pouco, ao que ela assentiu com um leve aceno de cabeça. Ela só queria que ele lhe preparasse uma vodka, para se poder instalar na melhor mesa da esplanada, mesmo em frente ao ecrã.
Finalmente a conversa terminara. Ele aproximou-se dela, pôs-lhe uma mão na face e com a outra puxou-a para si até lhe encontrar os lábios. Beijou-a como nunca o tinha feito deixando-a quase sem folego. Depois disse-lhe:
- Olá
Ela nem conseguiu responder, estava sem palavras, tinha acabado de ser surpreendida com aquele beijo. A única coisa que conseguiu dizer foi:
- Arranjas-me uma vodka com limão?
E arrependeu-se logo de seguida. Que parvoíce! Ele tinha-a surpreendido e ela reagia assim? Ficou a parecer que não tinha gostado e não era nada disso. Ele já caminhava para o balcão com ar tristonho. Estaria desiludido? No seu lugar, ela estaria.
Dirigiu-se para a mesa a pensar que tinha que lhe explicar. O facto de não esperar aquela atitude tão espontânea tinha-a deixado meio aparvalhada. Já se conheciam há algum tempo, tinham uma espécie de relação que pouco mais envolvia do que estarem juntos de quando em vez e partilharem algumas noites, mas tinha havido lugar para aquele tipo de manifestação tão apaixonada em público. Ela nem sabia se haveria paixão entre os dois. Carinho, alguma cumplicidade, compreensão e amizade, sim, mas paixão? Nunca tinha pensado nisso nem nunca tinha percebido algum sinal vindo dele. O que o terá feito ter aquela atitude? E ela tinha gostado ou não? E os presentes, o que teriam achado daquilo?
Olhou em volta e viu, no meio de algumas pessoas, uma cara que a fitava com um ar pouco simpático. Era um amigo dele que já tinha visto por ali, mas a quem nunca deu muita importância. Mas porque a olha assim? Nunca percebeu o que os amigos dele pensavam da sua presença, o que na realidade, era coisa que pouco a preocupava. Ali na esplanada, nunca quis a total atenção dele, aliás, gostava de o ver á distância, a movimentar-se entre os amigos. Gostava de o ver – este pensamento fê-la sorrir. Ele tinha sugerido por diversas vezes saírem com os seus amigos, mas isso era coisa que não a interessava. Quando estava com ele, queria estar com todos os sentidos focados nele, como se o resto do mundo ficasse em “pause”. A ele, pedia o mesmo. O pouco tempo em que estavam juntos tinha que ser aproveitado na plenitude e da melhor maneira. Felizmente, ele assim o entendia também.
Provavelmente o amigo ficou tão surpreendido como ela. Ia pensar que seria isso e afastar essa preocupação da cabeça, afinal o que a preocupava verdadeiramente não era isso. Tinha que entender o que se passava com ele e com esta relação.
Ele já se aproximava com a vodka e ela olhou-o com um sorriso.
- Obrigada, podes sentar um pouco, temos que falar, parece-me.
Ele sorriu e respondeu:
- Sim, temos que falar. Mas com clientes na esplanada… preciso que esperes pela hora de fecho, podes?
A vontade que tinha era dizer de imediato que sim, mas olhou para o relógio e eram apenas 21horas, a esplanada só fechava pelas 2horas da manhã, o jogo acabaria muito antes disso e… de repente:
- Sim, claro que espero. Depois do jogo vou jantar a qualquer lado e volto depois.
Trocaram sorrisos, ele fez-lhe uma caricia no rosto e voltou para trás do balcão.
Voltou a concentrar-se no jogo entre a selecção nacional e a da Dinamarca, enquanto bebericava a sua vodka. O jogo foi intenso o que lhe prendeu a atenção evitando assim pensar em tudo aquilo, mas acabou bem, o que a deixou bem-disposta.
No fim do jogo, levantou-se, dirigiu-se para o balcão para se despedir dele com um aceno e ouviu-o dizer:
- Espera aí!
Ela esperou. Ele dirigiu-se a ela e perguntou:
- E o meu beijo de até já?
Ela nem respondeu, esticou-se, pôs-lhe as mãos no pescoço e beijou-o.

Jantou numa tasca ali perto, depois deu um passeio pela beira-rio. Como iria correr a conversa? O que tinham era bom, seguro, sem compromissos ou preocupações. Quereria ela mais? E iria resultar? Tinham tão pouco em comum. Tanta dúvida e a única certeza é que queria ir rapidamente para junto dele. Olhou para o relógio, era ainda cedo. Aquela zona da cidade era bonita e por aquela hora, bastante serena. O melhor era desfrutar daquela serenidade enquanto a tinha. Demorou-se por ali a desejar ter trazido a câmara fotográfica. Respirou fundo deixando a brisa do rio entrar no seu espirito. O tempo ia passando e ela ia ficando cada vez mais apreensiva.
Isto não estava nada bem. Chegou á conclusão que algo se passava e o que lhe estava a minar a alma era o facto de não conseguir perceber o quê. Estava na altura de voltar á esplanada e preparar-se para a tal conversa.

Na entrada alguém a esperava. O amigo de novo. Que quereria ele afinal? Olhou-o nos olhos e perguntou:
- Queres dizer-me algo?
- Não lhe faças mal. Devias afastar-te dele. Acho que não lhe vais trazer nada de bom – respondeu-lhe o amigo com alguma agressividade.
Ela suspirou fundo, sorriu e respondeu:
- Resolve isso ou o que quer que tenhas para resolver, com ele, não comigo.
Continuou a andar tentando afastar aquele encontro da sua mente. Mas quem raio este fulano se achava? Entendo a protecção entre amigos, mas isto não será demais? Mas afinal o que se passava? Subiu a escadaria e entrou na esplanada. Estava calma, boa musica, algumas pessoas á conversas e ele. Ele sempre a sorrir. Ela sorriu também. Ele viu-a e apressadamente se lhe dirigiu. Beijou-a no rosto e perguntou:
- Queres que te prepare uma vodka?
Ela sorriu e respondeu-lhe com um aceno de cabeça acompanhado de:
- Hum, hum…
Sentou-se e tirou um livro da mala, enquanto ele, já atrás do balcão lhe preparava a bebida. Sentia-se calma. Tudo parecia tão certo. Por momentos conseguiu esquecer tudo o resto. Gostava daquelas noites calmas na esplanada.
- Aqui tens.
Disse-lhe ele. Tinha voltado e ela nem tinha dado por isso. Agradeceu-lhe e sorriu.
- Já não vou demorar. Isto está tão calmo que me parece que vou fechar mais cedo.
Ela olhou-o e disse:
- Não tenhas pressa, estou bem aqui. Eu espero por ti!
Acendeu um cigarro enquanto o via afastar-se. Não sabia o que lhe dava mais prazer, se ler o seu livro se o ver a movimentar-se entre os outros. Gostava de o olhar, nunca se cansava disso. Estava distraída com estes pensamentos quando de repente se apercebeu que estava a ouvir a sua banda preferida. Olhou para ele e viu-o fazer um aceno, como se lhe estivesse a oferecer a música. É com estes gestos simples que ele a vai prendendo. Assim o sente ela.
Passou algum tempo ocupado entre o livro e a sua bebida. Estava tão distraída que nem deu por a esplanada já estar vazia. De repente a música findou. Levantou os olhos e viu-o vir na sua direcção.
- Vamos?
Ela sem responder, guardou o livro, bebeu o último gole da sua bebida e levantou-se pronta a segui-lo. Ele pegou no copo vazio e com a outra mão afagou-lhe o cabelo.
- Vou só deixar este copo ali no balcão.

Saíram do edifício e fizeram o que quase sempre faziam quando ela ia á esplanada. Caminharam em silêncio até casa dele, altura em que ela aproveitava para fumar o último cigarro. Ele não fumava e não gostava de fumo em casa e ela sempre tinha respeitado isso, embora algumas vezes acabasse por ir fumar um cigarro á janela.
Chegaram a casa, sitio onde ela se sentia sempre á vontade. Sentou-se, esperou que ele se juntasse a ela e por fim disse:
- Então conta lá, porquê a tua mudança de atitude? O que mudou?
- Mudou eu ter percebido o quanto é bom estar contigo. Mudou o facto de, se calhar, eu querer mudar. O que não mudou foi eu sentir a tua falta quando não estás por perto.
Respondeu ele com um sorriso. Ela sorriu também. Gostou de ouvir aquelas palavras, mas sentia que havia algo mais. Beijou-o e disse:
- Também sinto a tua falta, também acho que é mesmo muito bom estar contigo, mas não sei se quero assim tanto mudar.
Ele sem responder, levantou-se e esticou-lhe a mão.
- Anda.
Ela agarrou a mão e sem nada dizer, seguiu-o até ao quarto. Despiram-se um ao outro enquanto se beijavam e acariciavam. Caíram finalmente nos lençóis macios onde os seus corpos entrelaçados se deixaram levar pela humidade quente até se perderem um no outro de prazer. Foram longos os momentos a despertar os sentido com suaves carícias, intensa a fusão dos seus corpos até culminar no adormecimento num abraço apertado.

Ela abriu os olhos, já era manhã, a luz do sol entrava intensamente no quarto, olhou para o lado e viu-o ainda a dormir serenamente. Beijou-o suavemente nos lábios e levantou-se. Esticou-se. Os seus sentidos ainda se deleitavam com os momentos da noite anterior. Sorriu e dirigiu-se á cozinha, precisava de um café, grande. Fez um café, bebeu-o e pensou se deveria ir tomar um duche ou voltar para a cama e acordá-lo com caricias suaves. Decidiu que o duche podia esperar. Preparou outro café e levou-o para a cama. Acordou-o com beijos suaves percorrendo-lhe o corpo. Ele abriu os olhos, sorriu e puxou-a para ele abraçando-a com força.
- Bom dia! E com um café… gosto de ti!
Ela sorriu, passou-lhe a chávena e ficou ali, a olha-lo enquanto ele se deliciava com o café quente. Seria altura para continuar a conversa da noite anterior? Ela precisava de saber o que realmente se passava e sentia que poderia ser algo complicado. Voltou a olha-lo e percebeu que ela a fitava. Antes que lhe pudesse dizer o que pensava, ele disse repentinamente:
- Fizeram-me uma proposta para ir trabalhar fora do país. É uma proposta demasiado interessante para não ser considerada e quero que venhas comigo. O que achas?
Ela sentiu um murro no estomago. Então era isso. Não conseguia pensar. Porque é que isto estava a acontecer? Sabia que isto poderia acontecer mais cedo ou mais tarde. Ele sempre lhe tinha dito que esse era um desejo dele. Mas seria também um desejo dela? E estaria preparada para deixar tudo para trás e segui-lo?
- Isso é demasiado logo ao acordar. Vou tomar um duche e… já falamos.
Disse-lhe enquanto se levantava e dirigia para a casa de banho. Nem ouviu o que ele respondeu, precisava de conseguir pensar e nada melhor do que o fazer no duche.

Tomou um duche quente e demorado enquanto lhe ia passando tudo pela cabeça. O seu trabalho, a sua família, os amigos, as coisas que gostava tanto de fazer, o sol e o seu mar, enfim… a sua vida. Não, não estava preparada para o seguir, mas estaria preparada para o perder? E poderia sequer pedir-lhe que abdicasse do seu desejo para ficar com ela? Claro que não! Não o poderia fazer. Então o que lhe ia dizer? Estava envolta nestes pensamentos quando o sentiu colado a ela. Tinha entrado no duche e ela nem tinha dado por isso. Ouvi-o sussurrar-lhe:
- Não te preocupes, havemos de resolver isto.
Ela beijou-o e disse:
- Gosto de ti!
Já vestidos e de volta á cozinha para um segundo café, ela sorriu e disse-lhe:
- Não posso ir contigo, mas quero que vás, quero que sigas esse desejo e aproveites a oportunidade. Dificilmente irás ter outra. Vai! Eu fico bem e estarei sempre aqui á tua espera.
Não acreditava nestas palavras, mas sabia que era o que tinha que lhe dizer. Tinha a certeza que o iria perder. A relação que tinham não aguentava a equação ”tempo + distância”, mas gostava demasiado dele para o prender. Ela ia ficar bem e ele com certeza seria feliz, mesmo sem ela.

Despediu-se dele e saiu. Iriam encontrar-se mais vezes, mas tudo seria diferente. Sentiu o sorriso a desaparecer, olhou em volta á procura de um táxi.
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